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29 de Junho de 2025
Leonardo Cristiano Gieseler
Quem nunca ouviu — ou até mesmo disse — a frase: "Hoje em dia o Brasil não tem mais o melhor futebol do mundo."
Simples, direta, quase uma conversa de boteco. Mas se a gente olhar com mais atenção... tem uma jogada de linguagem nessa afirmação que você nem percebeu!
Segundo o linguista brasileiro José Luiz Fiorin, no seu livro "Argumentação", publicado em 2018 pela editora Contexto, toda linguagem carrega camadas de sentido, e algumas dessas camadas não estão ditas de forma explícita. Elas são inferidas. Ou seja, a gente completa as lacunas com base no nosso conhecimento de mundo, na situação em que a fala acontece e, claro, na própria construção do enunciado.
Mas o que é uma inferência semântica, afinal?
A inferência semântica acontece quando deduzimos algo a partir do que foi dito, mesmo que isso não esteja diretamente na superfície do que foi enunciado. É como se a linguagem jogasse uma "bola enfiada" e o nosso cérebro precisasse correr para receber o seu verdadeiro sentido.
Voltando à frase: "Hoje em dia o Brasil não tem mais o melhor futebol do mundo." O detalhe está no termo "mais". Esse advérbio carrega um pressuposto de que, em algum momento no passado, o Brasil já teve o melhor futebol do mundo.
Você percebe? Isso não foi dito literalmente. Mas está ali, implícito, esperando que você faça tal inferência. E você fez, sem nem perceber. Como explica Fiorin (2018, p. 37):
“Um texto diz mais do que está na superfície, pois ele não somente transmite conteúdos explícitos, mas também conteúdos implícitos, marcados no enunciado ou na situação de comunicação, que aprendemos ao fazer inferências.”
Então, o que isso tem a ver com futebol?
Tudo. Porque se pararmos para pensar, uma simples frase, que poderia passar despercebida no meio de uma conversa sobre a seleção brasileira, carrega uma construção argumentativa interessante. Ao dizer que hoje em dia o Brasil não tem "mais" o melhor futebol, estou ativando uma memória coletiva de um tempo glorioso — talvez em 2002 com Rivaldo, Ronaldinho Gaúcho, Cafu e Ronaldo? ou em 1970 com Pelé, Carlos Alberto, Jairzinho e Rivellino? — e sugerindo, sem precisar dizer explicitamente, que a nossa seleção já foi, sim, a melhor do mundo.
E é assim que a linguagem opera: no campo e fora dele. Entre dribles e gols, há também um jogo de sentidos sendo disputado — e, às vezes, vencido por quem sabe ler nas entrelinhas.